DIREITOS HUMANOS? UM DIA TALVEZ!

Execuções sumárias, torturas, intimidações e detenções arbitrárias são relatadas num novo relatório do movimento cívico Mudei que fala num agravamento das violações dos direitos humanos em Angola, no segundo trimestre de 2024, e critica a “banalização” da vida. Provavelmente o general João Lourenço irá dizer – com toda a razão, acrescente-se – que, também nesta situação, o MPLA fez mais em 50 anos do que os portugueses em 500.

De acordo com o relatório da organização não-governamental angolana, no período observado, ocorreu um agravamento em relação ao anterior trimestre, tendo-se registado execuções sumárias e uma morte devido a tortura alegadamente executada por agentes afectos ao Serviço de Investigação Criminal (SIC), no interior de uma esquadra da Polícia Nacional.

A banalização do bem jurídico “vida” é um indício da natureza do Estado que vigora em Angola, destaca o relatório, que reporta casos registados nos meses de Abril, Maio e Junho passados, nas províncias de Luanda, Bié e Lunda Norte.

Em abono do “trabalho” do SIC importa reconhecer que estão apenas a fazer, embora em muito menor escala, o que aprenderam com o único herói nacional de Angola, Agostinho Neto, que nos massacres de 27 de Maio de 1977 mandou assassinar milhares e milhares de angolanos.

Os jovens, sobretudo activistas, são as principais vítimas dos actos registados neste período, segundo o mesmo documento.

O Mudei descreve que, no princípio de Junho, pelo menos 10 jovens e adolescentes residentes no bairro da Vidrul, município de Cacuaco, terão sido raptados por agentes do SIC, tendo sido encontrados os cadáveres, dias depois, na morgue de um hospital, “com evidentes sinais de tortura e perfuração de balas”.

“Existem relatos de outras sete pessoas executadas em outros bairros de Cacuaco na mesma semana”, lê-se no documento, o qual refere existirem “fortes indícios” que sugerem a violação do princípio da proibição da pena de morte ou execução sumária para os referidos casos.

Há também no relatório referência à morte de três membros da mesma família (pai, filho e neto) “executados à queima-roupa” no município do Cazenga, em Luanda, por um agente do SIC, como confirmou, na ocasião, o porta-voz deste serviço, Manuel Halaiwa, referindo que o autor, que à data se encontrava em parte incerta, os confundiu com “meliantes”.

Manuel Halaiwa, citado na altura pelo Jornal de Angola (órgão oficial de propaganda do MPLA), assegurou que as vítimas não eram meliantes, mas sim membros da mesma família, que saíam de um óbito e ao chegar a casa, por falta de chaves, um tentou escalar o muro, tendo sido confundidos com marginais.

Pelo menos cinco jovens foram detidos e submetidos a tortura e tratamento degradantes em esquadras policiais, em Maio, no município do Kilamba Kiaxi, em Luanda, após serem surpreendidos no local de trabalho, sendo que, 14 dias depois de “cárcere privado”, um deles acabou por morrer, refere-se no relatório.

O documento, elaborado pelo Mudei em parceria com a organização comunitária Mizangala Tu Yenu Kupolo e com a Handeka, anexa imagens de algumas das vítimas e manifesta oposição ao “permanente estado de selvajaria em que a lei escrita é letra morta”.

Relata igualmente casos de intimidação, pressão psicológica e restrições de circulação a um comentador de uma rádio na província do Bié, actos praticados supostamente por efectivos da polícia local, em Abril.

Um activista foi detido na Lunda Norte por agentes do SIC, em Maio, por ter denunciado alegados actos de corrupção por parte dos responsáveis do Programa Kwenda (programa de transferências monetárias para famílias vulneráveis), acrescenta, relatando ainda cenas de intimidações de um outro activista em Luanda, em Junho.

As detenções arbitrárias de activistas cívicos e execuções sumárias de cidadãos, “além de preocupantes, exigem uma intervenção urgente para impedir que se repitam e que os seus perpetradores fiquem impunes”, defende o Mudei.

“Lamentavelmente, em pleno 2024, vivemos situações de decadência social que nos obrigam a elaborar relatórios deste tipo, de forma rotineira, com o intuito de tentar chamar a atenção e frear algumas destas práticas aberrantes, responsabilizando-se os prevaricadores”, salienta a organização.

A Mudei apela a um Estado “onde a vida de cada pessoa seja valorizada como um bem inalienável, onde os direitos constitucionais e demais legislações em prol dos direitos humanos sejam rigorosamente respeitados e onde os órgãos de defesa e segurança compreendam plenamente a sua missão e função: proteger, zelar pela vida e dignidade da pessoa humana, em vez de agir como criminosos, com arbitrariedade e violência”.

Para vermos a continuação do retrocesso dos direitos humanos basta esperar pelo próximo relatório do Mudei…

Folha 8 com Lusa

Foto: Arquivo

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